27.2.10

...

I

colecionava sapatos
cronometrava pegadas
repetia o mantra

é melhor sem ela, é melhor sem ela
ela que não era mais ela
que não era mais
ela

II


frasco vazio de verbos

pensou " vida passível de qualquer escolha"
num qual o que sem tempo

III

ampulheta

IV
Elegeu um par de erros.
“ Não, não pode ser certo, não pode estar certo, gente assim sem tamanha distinção, andam, falam por aí, como se fossem..., gente sem costume, gente sem educação...eu hein?”
Caduco, adormeceu. Fazia tempo em sua poltrona. Sonhou com a breve menina. Qual era mesmo o nome dela? Aquela...aquela uma
Ela tampouco vivia em seu tempo.
Já não estava mais. Aqui ou ali. Restrita a uma cena ou duas do passado.

Gente que não envelhece. Essa gente. Gente estranha essa, pensou.

V
Anos antes.
Pouco antes do carro bater.
Ela olhou pra ele, pensou um bocado de coisas que não se dão nome.

VI
O que se morre fica restrito a eleição da memória daquele que vive.
“ Qual era mesmo o nome dela? Aquela, aquela uma...a tal do acidente..”
Vagou entre um sorriso e a curva de uma estrada.
“ Será ela mesma?”
Um dicionário largado no meio da sala, fez lembrá-lo do péssimo português da estrangeira. Carimbos na embaixada, frases iniciadas em italiano e terminadas em francês, vinho tinto sob lençol branco. Naquele tempo a gente se amava, mas não perguntava de onde vinha, pra onde vai. Naquele tempo, no meu tempo – dizia (jazia?) ele- a gente não podia perguntar nada, questão de sigilo político mesmo.

VII
Em fração de segundos ele teve que fazer a escolha. Salvá-la ou salvar a própria pele.
Ela disse “ Vai.” E ele foi.

VIII
Quem visse ele entre um copo e outro chorando. Dizendo não pra sinuca e pro arrasta pé jamais acreditaria que um dia ele vaguearia o olhar entre verbetes buscando:
“ Qual era mesmo o nome dela? Ela...aquela uma...? “

IX
Em março de 72 ele acordou esbaforido no meio da noite.
“ Que foi?”
Ela contou sobre sua cidade sem dar o mapa, falou de sua história sem dar nomes. Ele fazia parte dela.
Deitou a cabeça no peito ruivo da moça e deixou se esquecer.

6 comments:

Vampira Dea said...

Adoro poemas que degustamos de várias formas, com o som das palavras, com o visual das palavras, com o significado das palavras e no que essas palavras se transformam.
Adorei o espaço.

Anonymous said...

isso é muito bom, ma
muito bom mesmo!!!

vc lida muito bem com essa "forma"

(sem contar a eficiência do conteúdo) hehehe

bjss
m.

MAÌRA DVOREK said...

Quem é " M" ?

Anonymous said...

Quando saí o livro?
bjosss Rodrigo

Marcos Freitas said...

hmmm... ah vá!
foi só uma questão infoburocrática, essas coisas de login/logout etc... hehehe

bjsss
m.

Anonymous said...

Obrigado,Má. Obrigado mesmo.
W